A Verdadeira Violência Escolar – Parte II

 

                                                                

 

                                                                                                            

                                                                 A VERDADEIRA VIOLÊNCIA ESCOLAR

                                                                                     PARTE II

 

 

 

Sendo um ser social, devo submeter-me às leis emanadas pela maioria e desse modo estabelecer-me na sociedade enquanto sujeito moral; sendo um sujeito individual, é-me possibilitada a perspectivação ética das minhas acções e o ajuste dos dois planos, sempre que tal é possível.

Nesta ordem de ideias, julgo ter chegado a altura de partilhar com a comunidade a que pertenço, enquanto docente da Escola Secundária de Marco de Canaveses, o resultado das reflexões éticas que tenho vindo a efectuar sobre as leis que sobre mim pendem.

 

Sou docente do Quadro de Nomeação Definitiva, estou no 9º escalão (pela designação antiga)  tenho mais de 40 anos de idade. Conheço o teor do artigo 79º

Artigo 79º

Redução da componente lectiva

1 – A componente lectiva a que estão obrigados os docentes dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e os do ensino secundário e do ensino especial é sucessivamente reduzida de duas horas, de cinco em cinco anos, até ao máximo de oito horas, logo que os professores atinjam 40 anos de idade e 10 anos de serviço docente, 45 anos de idade e 15 anos de serviço docente, 50 anos de idade e 20 anos de serviço docente e 55 anos de idade e 21 anos de serviço docente.

e observo que há vários anos o meu horário é elaborado de acordo com a redução da componente lectiva e que o avanço da minha idade inibe que me atribuam  turmas para leccionar: ou seja, mesmo que eu queira abdicar dessa redução, tal não me é permitido, pelo que nos últimos anos me têm sido atribuídas, no máximo, 4 turmas. Portanto, se atendermos ao teor do artigo 79º nada mais deveria ser-me exigido, no que concerne à componente lectiva, uma vez que é esse o seu sentido explícito.

Acontece, porém, que o estabelecimento de aulas de substituição veio a revogar o artigo 79º, ainda que ele continue em vigor, e o meu horário contém, explicitamente, o art.79º como componente lectiva! Ou seja: sou dispensada da componente lectiva por ter mais de 40 anos de idade e, por isso não me atribuem mais do que as 4 turmas já mencionadas; porém, o artigo que de tal me dispensa, é incluído no horário enquanto componente lectiva!

Admitindo que no actual regulamento da carreira docente existe uma alínea que justifica este procedimento, a saber, os professores demasiado velhos para poderem ter mais uma turma dentro da sua área, são suficientemente jovens para que os obriguem a  dar aulas de substituição, a situação agrava-se,  chegando a raiar o absurdo ou o total desrespeito pela inteligência dos docentes, com uma idade de certo modo avançada ( o que deveria conceder-lhes, senão benefícios, pelo menos o reconhecimento do mérito conferido pela experiência) pois, havendo  dois ou mais professores num certo horário para procederem à substituição dos ausentes, o primeiro a ser chamado para dar essas aulas (e portanto assumir uma componente lectiva) é o professor beneficiário do art.79º, por definição, dispensado da componente lectiva! Na prática, sempre que haja necessidade de substituir uma ausência de um docente e, havendo um suposto favorecido pelo art. 79º conjuntamente com outros que não usufruam do respectivo artigo, serão sempre aqueles os primeiros a ir, pelo que os outros nunca terão que fazer a respectiva substituição!

            Duas conclusões podem ser inferidas desta explanação. Primeiro: não faz sentido manter o artigo 79º (que em teoria dispensa o docente da componente lectiva, pelo que lhe são reduzidas as turmas) e então seria lógico revogá-lo, preenchendo o horário do docente com as turmas necessárias para o completar. Segundo: se o artigo 79º for mantido, que seja efectivamente respeitado e que ao docente, por ele abrangido, seja possibilitada a execução de outras tarefas pedagógicas tanto mais úteis e pertinentes quanto ele pode pôr a sua experiência e saber ao serviço de toda a comunidade escolar.

Permaneci atónita durante algum tempo, vendo uma aceitação dócil de semelhante paradoxo e crendo que os docentes se movimentariam no sentido de forçar quem legisla a corrigir uma tão grande anomalia. Porém, tal nunca foi levado a cabo (pelo menos com sucesso) e eu vejo os meus colegas, abrangidos por este artigo, a aceitarem mansamente um absurdo, crentes de que algo de transcendente emana das chefias ou que um castigo terrível lhes será aplicado caso não respeitem a lei.

            Em princípio, sou a favor das aulas de substituição, mas penso que elas deveriam ser dadas por docentes, substitutos de facto, ou seja: as escolas deveriam recrutar professores desempregados nas diversas áreas disciplinares e tê-los disponíveis para que pudessem dar efectivamente aulas, em vez de obrigar professores habilitados, nesta ou naquela área, a realizar uma tarefa banal de entreter alunos desconhecidos, no contexto de matérias também elas alheias, que não leccionam porque não podem, nem devem. Não adianta mascararem a situação, dizendo que o que acontece nas aulas de substituição é altamente salutar, quer para o docente quer para o discente, uma vez que todos sabem que se passa exactamente o contrário!

No meu horário constam ainda, expressamente, duas horas (um bloco) designadas como Trabalho de Estabelecimento. Durante todo o 1º Período não houve nenhum trabalho atribuído, pelo que essas duas horas poderiam cair, por completo, no esquecimento; porém, a partir de certa altura, surgiram novos horários e, onde antes podia ler-se Trabalho de Estabelecimento, passou a ler-se, Biblioteca, o que pressuporia a dinamização de actividades relacionadas com a Biblioteca, com os livros, com a leitura, com a escrita, etc. Mas, o que acontece, na prática, a mim e a todos os docentes escalados para a Biblioteca, é dirigirem-se para o local na respectiva hora, marcada no horário e permanecerem ali sentados a fazer o que lhes aprouver ou absolutamente nada!

Resta uma hora, presente no horário assinalada com a sigla TOA e Dp 13781, (Tempo Superveniente!) a qual se destina a compensar os 5 minutos que alguém se lembrou, há alguns anos, de tirar aos 50 minutos que era usual durarem os tempos lectivos. Esta compensação é tanto mais absurda quanto não foram os docentes que propuseram a alteração e, pelo que sei, quer pela minha própria experiência, quer pelo que costumo conversar com outros docentes, ninguém parece beneficiar com a transformação das aulas de 50 em 90 minutos, ou 2X45m, pois era muito mais harmonioso distribuir a leccionação das matérias em 3 etapas de 50 minutos cada, do que condensá-las em dois compactos semanais de 90 minutos cada… e, se virmos bem, em vez de estar a dever 15 minutos de remuneração estou a haver 30, pelo que, feitas as contas, é a mim que devem os tais 15 minutos que estou a repor, pois em vez de 150 minutos de aula por semana, dou agora 180! Portanto nada me obriga a ir à escola com esse pretexto quando, ainda por cima, nada vou fazer pois nenhum serviço me foi distribuído até hoje (este meu raciocínio pode ser tido como falacioso mas a uma falácia só é possível responder com outra!)!

Concluo então que, no meu horário, apenas podem justificar-se racionalmente (e nós somos seres racionais!)180×4=720mintos, ou seja 12 horas semanais (as que correspondem à leccionação das minhas 4 turmas) mais os 90 minutos (correspondentes ao artº 79º) nos quais devo ocupar-me de questões relacionadas com a sub-coordenação do grupo disciplinar, num total de 13 horas e 30 minutos! Os restantes 3 blocos e meio (portanto 5 horas ao todo) não fazem sentido e representam um desrespeito pela função docente! Aceitar cumprir um absurdo é tão absurdo quanto o critério que o determinou.

O objectivo deste relatório é justificar o meu procedimento relativamente aos absurdos que o meu horário contém e dar conta do meu protesto pois desde que surgiram estas situações lamentáveis e com o objectivo de as tornar, tanto quanto possível, racionais e legítimas que venho a apresentar propostas (Clube de Aconselhamento Ético e Filosófico, Clube de Filosofia, Laboratório de Escrita Criativa e por aí adiante) pois entendo que as horas em que me obrigam a permanecer na escola poderiam ser, deste modo, beneficamente preenchidas. Uma total indiferença acompanhou sempre estas minhas propostas e foi dado privilégio ao estar sem fazer nada, sentada a uma mesa na Biblioteca, ou a entreter alunos, ou a esperar na sala de professores que o tempo superveniente se esgotasse!

Quero aqui e agora realçar que não considero necessária esta obrigatoriedade de permanecer na escola, pois o que sucede, de facto, é ter de continuar, exactamente como antes, a fazer todo o trabalho de preparação de aulas e de materiais para as aulas, de elaboração e de correcção de testes, de leituras e aprofundamento de conhecimentos, em casa, muitas vezes depois de passar dez horas na escola, sem a menor oportunidade de usufruir de uma vida social ou familiar, de um lazer, ou mesmo da criação artística que é outra das minhas actividades de fundo! Sinto que estou a ser castigada e obrigada a sobre-trabalho não remunerado, pois as quatro turmas de 10º Ano que lecciono obrigam-me a uma extrema exigência de mim para mim própria, dado o lamentável estado de desmotivação e falta de cultura em que me chegaram os alunos, principalmente no presente ano lectivo de 2007/2008, e ainda tenho que me ocupar de autênticas ninharias, apenas para justificar uma lei prepotente e absurda, como penso que demonstrei.

 

 

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