Exílio de luz

Havia um barco ao longe na reverberação tranquila do mar profundo. Sabia que era profundo pela cor, quase negra, e transformada em prata bilhante naquela hora em que o sol abrasa estendendo raios pesados como véus de uma deidade. Logo vi que o barco era um fantasma de si próprio, soube de imediato que estava presa a uma ilusão esplendorosa e todavia quis acreditar na presença… é que eu estava só na praia deserta, rodeada de brancura feita de halos poderosos de um brilho feérico, e parecia ninguém mais haver no território virgem daquela espécie de exílio.Eu quis exilar-me havia partido assim mesmo, a caminho do sol, envolta num leve sudário de seda branca e quis que o meu destino fosse a Via Láctea. Sim, amigo, parti de noite, alcandorei-me às estrelas e deixei-me arrastar na poalha incendiada da estrada de leite… Santiago acompanhou-me enquanto pôde; porém, havia outras rotas para lá das estrelas, rotas insuspeitadas tecidas na transtemporalidade, para lá do espaço estelar, órbitas invisíveis e por isso secretas. Estava fresco e eu tinha asas que não eram asas, bem sei, mas uma leveza profunda nascida da atmosfera rarefeita das alturas… Não soube que tinha adormecido mas acabei por acordar… e não era um sonho! Estava lá eu, o mar, a areia e o sol, gigante incandescente no meio do azul e estava, ainda, ao longe aquela sombra parada de barco ou de enigma.
Foi então que vi o caminhante, estranha figura de longos cabelos e vestes de linho e eu também soube que ele não era um caminhante porque de facto não havia caminho, porque a imensa figura não tinha movimento e, tal como o barco era uma alucinação de si própria, um embuste.
Era então este o cenário do meu sonho de exílio?
Não senti angústia, ou medo,ou pesar. Podia ficar ali para sempre, aliás talvez nem sequer estivesse ali… que sabia eu de mim e da alvura sem sombras que parecia rodear-me, qual anel de luz?
Mas, de um certo modo, percebi que chegara a mim vinda de outrem; soube que era a projecção de uma mente audaz, eu mesma penetrada de audácia. Sentei-me e decidi ficar.

3 Respostas to “Exílio de luz”

  1. Paulo Says:

    Hum… sonho ou desejo?
     
    Beijo, Paulo

  2. Transtemporalidade no meu dicionário não está.

  3. Regina Says:

    E depois? A escrita criativa é isso mesmo, o poeta tem o dever – não só o direito – de inventar palavras, de subverter o texto, de estar para lá dos padrões linguísticos… a norma existe para ser transgredida e, se não fossem os transgressores, não havia arte!
    Já agora: transtemporalidade ou trans-temporalidade ou … para lá do tempo… que tal?
     
    Talvez precise de acrescentar algumas palavras ao seu dicionário… acaso os dicionários são bíblias, livros sagrados que não podemos  violar ou corrigir sob pena de sermos condenados ao Inferno?
    Saudações.
     
     

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